É o abuso de poder eclesiástico que torna crível o absurdo megalomaníaco.
Não era uma construção qualquer – afinal, era uma
obra para ser vista e admirada. Tocar no céu, dizia-se. Altura e
imponência eram fundamentais, ainda que a massa de trabalhadores
vertesse sangue e suor sob os blocos de pedra.
Valia tudo para poder
tocar no céu, e os olhos dos poderosos voltavam-se para o alto. Quem
muito observa as pessoas da base, pensam alguns líderes pragmáticos, não
conseguirá explorar as alturas. A torre de Babel não precisava de
reboco nem tinta: seria revestida de alto a baixo pela pele de gente
crédula, pintada por dentro e por fora com o sangue crente.
Quando alguém reivindica a legitimidade do seu poder citando suas
construções tangíveis, ficamos a pensar: a liderança espiritual
justifica sua legitimidade de que forma? A dúvida ocorre porque, nessa
lógica, os líderes religiosos precisarão tornar suas obras espirituais
suas obras espirituais em coisas concretas. Eis uma das nuances do
pragmatismo: os resultados obtidos justificam tudo o que foi feito e
legitima o poder daquele que coordenou as ações. Líderes personalistas
pragmáticos mandam os entulhos para as periferias, onde aterrarão os
caminhos escabrosos. Nada se perde. Cada coisa no seu lugar. A torre no
centro; os entulhos, na periferia. E o líder no meio de tudo. Entre
outras coisas, a torre é ótima para servir de referência de poder.
A linha divisória entre o pragmatismo personalista e a megalomania
costuma ser tênue. Muita gente diz que Deus merece o melhor, enquanto
alimenta seu próprio delírio de grandeza. Construtores que pouco se
importam com as coisas criadas ou com as muitas pessoas que o ajudam a
construir torres altíssimas só têm olhos para si mesmos. A altura da
torre será proporcional ao tamanho do seu delírio. Ou seja, estamos
falando de pessoas que agem em nome de Deus com sérios transtornos, com a
percepção da realidade seriamente afetada.
Esse delírio assume sua força quando é embalado no discurso da fé. O
apelo da fé é poderoso a ponto de transformar a razão em estupidez e
tornar o delírio de um insensato em torpor coletivo. É o abuso de poder
eclesiástico que torna crível o absurdo megalomaníaco. Babel era um
monumento à insanidade de um povo sob uma liderança megalomaníaca.
Nabucodonosor, então, vira um tipo comum – o sujeito cheio de poder que
perde a sanidade. O muito já não basta. “Não é esta a grande Babilônia
que eu edifiquei para morada real, pela força do meu poder, e para a
glória da minha majestade” (Daniel 4.30). Justiça seja feita: são poucos
os líderes religiosos megalomaníacos que, à semelhança do senhor de
Babilônia, declaram tão explicitamente que o muito que realizam
destina-se à glória da própria majestade. Na tradição cristã, fica feio o
discurso ufanista de exaltação própria; então, os “nabucodonosores”
contemporâneos são mais refinados, para não falar dissimulados. Aí, vem a
justificativa oficial: “Tudo isso é para a glória de Deus.”
Mas houve confusão. Em Babel, todos são estranhos! Confusão das
línguas ou sobreposição de egos? Nas igrejas brasileiras, as divisões
pouco ou nada têm a ver com métodos ou posições teológicas. Trata-se de
disputas de líderes pragmáticos megalomaníacos. Mania de grandeza é
confundida com visões divinas, enquanto, ao pé da torre ou nos jardins
suspensos, o que se vê é uma feira de egos – e o que era para ser ponto
de encontro vira lugar de desavenças. A obra mais visível em Babel eram
as relações humanas destruídas. Em Babilônia, também se viam coisas
feias – no meio do esplendor, desconfiança e ressentimento. Daí, tudo
fica dependendo da figura do líder. Enquanto ele for capaz de renovar
seu carisma, o projeto permanece. Em Babel, na Babilônia ou no Brasil,
como aferir se a obra de um é maior do que a de outro? Ora, através da
comparação. Então, não basta construir algo admirável – é preciso
construir o mais admirável: “Tornemos célebre o nosso nome”… As
comparações desleais difamam as obras alheias.
Jesus, com muita frequência, dirigia-se às intenções dos líderes
pragmáticos megalomaníacos do seu tempo. O Mestre jamais tentou erguer
uma torre em Nazaré, ou uma cidade na Galileia. Os megalomaníacos
ficaram desconcertados, uma vez que os termos das suas disputas foram
ignorados e ridicularizados. Jesus era um líder sem a chave da porta do
templo, e não vestia estola sacerdotal. Um de seus discípulos
admirou-se: “Mestre! Que pedras, que construções!” Vale conferir a
resposta em Mateus 13.1.
Autor:Valdemar Figueredo
Fonte: Revista Cristianismo Hoje
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