Parece que a DC e a
Marvel, duas gigantes editoras de HQs controladas pela Time-Warner e pela
Disney, respectivamente, chegaram a um acordo em algo: junho é o Mês Gay no
multiverso. Primeiro veio a revelação por parte da DC de um Lanterna Verde
gay, seguida de um circo midiático de publicidade e especulação
durante todo o mês.
A parceria de Batman
e Robin há muito tempo é sujeitada a esse tipo de insinuação; poderia essa ser
a revelação final? E, é claro, tem a Mulher Maravilha, a amazona dominadora de
quem homem nenhum ganha em uma queda-de-braço, e tampouco o coração. Como
sugere o tabloide hollywoodiano TMZ, a decisão da DC de escolher o
Lanterna Verde colocou toda a publicidade em uma espécie de jogo dos copos,
considerando que o Lanterna Verde é mais um corpo policial intergalático do que
um indivíduo, e que há mais de 7200 Lanternas Verdes no grupo.
O Lanterna Verde
mostrado beijando outro homem no segundo número da revista Earth 2 da
DC na verdade não é Hal Jordan, o personagem mais associado à franquia, mas uma
versão reinventada de outro homem, Alan Scott (que, no entanto, ao ser
introduzido pela primeira vez em 1940, era casado e pai de dois filhos).
O Lanterna Verde gay
é, portanto, é uma reciclagem de uma reciclagem, um personagem reimaginado de
um universo DC reimaginado (que, como muitos fãs de HQs lhe dirão, é na verdade
um multiverso). O novo personagem, então, é tão afastado do original que apenas
Stephen Hawking poderia teorizar apresentar um ao outro. Quanto à Kate Kane, a
atual e lésbica Batwoman introduzida pela DC com igual alardeio em 2009, seu
status periférico sugere um propósito altamente comercial.
Para não ser
superada, a Marvel Comics irá apresentar seu primeiro casamento gay em
Astonishing X-Men número 52, lançada em 20 de junho. O número, completo com
ilustração explícita da cerimônia e todos os seus convidados coloridos, irá
exibir as núpcias do super-heroi canadense Estrela Polar e seu parceiro civil,
Kyle Jinadu.
Não podendo ser
acusada de uma simples debutante, a Marvel pode ampliar sua exibição de temas
homossexuais porque personagens gays já são coisa antiga no seu universo.
Embora não tenha o reconhecimento do Lanterna Verde, o Estrela Polar foi
introduzido pela primeira vez em 1979, e foi retratado como abertamente gay
desde 1992, poucos anos depois que a Associação Americana de Revistas em
Quadrinhos derrubou a proibição desse tipo de conteúdo.
Ele é o primeiro de uma
série de personagens que se podem chamar de “não-heterossexuais”, incluindo os
bissexuais transmorfos Mística e Hulkling, assim como pelo menos um humanoide
artificial produto de bioengenharia de uma dimensão conhecida como Mojoverso. O
personagem, cujo nome é Shatterstar, deixou claro para os leitores que é
anatomicamente equipado e sexualmente funcional. Recentemente ele trocou um
beijo com o companheiro de equipe Rictor, um mutante bissexual com a capacidade
de gerar terremotos localizados.
O fato de temas e
personagens homossexuais já existirem nas HQs de super-heróis (há décadas em
alguns casos) pode fazer alguém se perguntar por que essas publicações e suas
campanhas estão acontecendo de novo. Uma resposta talvez esteja no fato de que,
em grande parte, esses personagens estejam sendo tratados como mascotes
sociopolíticos, e não como personagens fictícios. A maioria dos debates sobre
sua validade envolve questões de homossexualismo e casamento gay no mundo real.
O vice-presidente da DC Comics, Bob Wayne, fala da decisão de revelar o homossexualismo
de um dos seus super-heróis como prova de uma perspectiva evoluída, ecoando as
palavras do presidente Barack Obama, que aprovou o casamento gay.
Isso é uma reversão de uma política definida ainda no ano passado pelo coeditor
da DC, Dan Didio, de que todos os personagens homossexuais seriam novos. Se a audiência aceita
ou não o novo Lanterna Verde, não há como negar que as palavras de Wayne, assim
como as de Obama, foram ditas para insultar os que não o aprovam. Ele pode ter
falado que a perspectiva estava mudando, desviando-se, ou mesmo se tornando
mais compassiva, mas falar no sentido de evolução, isso é um ataque deliberado;
duplamente, se você considerar que o alvo foi o público cristão.
Se esse tipo de
publicidade será boa ou má para as vendas de HQs e para os movimentos
homossexuais, isso é uma questão que, pela sua complexidade, é muito mais fácil
de ignorar. Trata-se da própria imaginação: aquela atividade extremamente
particular responsável pela própria existência da atração dos super-heróis.
Ao contrário da
crença popular, a literatura (e isso inclui histórias em quadrinhos) não é
simplesmente um conduto pelo qual os autores podem infundir valores nos seus
leitores. Ao contrário, ela é um meio de comunicação cuja importância, qualquer
que seja a intenção do escritor, é moldada em grande parte pelas experiências e
posições atuais do leitor. Não somos escravos do que lemos; um trabalho de literatura
pode, afinal, levar à mudança das crenças pré-existentes de alguém, mas esse
poder não está dentro da literatura mais do que o poder de mudar a realidade
está dentro de um único leitor.
Introduzir
personagens gays tais como o Lanterna Verde pode não “transformar os leitores
em gays”, como observaram sarcasticamente alguns defensores, mas essa
introdução também não vai simplesmente cair no vazio. Por estarem na periferia
da cultura pop, revistas de super-heróis não são tão relevantes, e as razões dadas
pelas editoras e pelos escritores para apresentar personagens gays (as de que
são mais como o mundo real, mais atuais, ou que irão estimular aceitação e
mentes mais abertas) não respeitam sequer as tão modestas limitações do seu tão
modesto meio.
Embora os leitores de quadrinhos sejam considerados alternativos
(mundos de HQs exploram múltiplas realidades, e é preciso ter a mente aberta no
sentido mais básico para se ter uma boa imaginação), eles não ficam sem uma
identidade própria. Eles podem, como alegaram as editoras, não ter nada contra
o fato de o Lanterna Verde ser gay, mas não porque estão sendo sugestionados
pela DC.
Segundo, e mais
importante, a imaginação é metafísica. A sexualidade, por outro lado, é
fundamentalmente física. Embora a imaginação e a sexualidade possam cooperar de
várias formas, demonstrações sexuais explícitas em HQs continuam sendo um tabu
vergonhosamente periférico na subcultura das HQs; basicamente, uma nerdice
entre os nerds. Animes eróticos, ou hentais, estão em um canto isolado das
lojas de histórias em quadrinhos, assim como está a pornografia em uma locadora
de filmes ou banca de revista.
As editoras de histórias em quadrinhos não são
cegas a essa segregação. Elas reconhecem que a maioria dos leitores de HQs,
apesar das suas imaginações vívidas, ainda preferem relacionamentos com pessoas
de carne e osso. Revistas em
quadrinhos podem mostrar beijos, abraços, e ocasionalmente alguma nudez, mas
elas ainda estão no ramo de salvar a Terra de aliens transmorfos, e não o de
explorar os potenciais Kama Sutras de monstros com tentáculos. No filme
Barrados no Shopping, de 1995, quando o personagem Brodie (Jason Lee) incomoda
o quadrinista Stan Lee falando a respeito das capacidades eróticas de vários
super-heróis, isso se mostra ridículo e patético.
“Antigamente, nós não
pensávamos nesse tipo de coisa”, responde o ícone dos quadrinhos, cortando as
perguntas. Mesmo hoje em dia, apesar das ocasionais manchetes, isso ainda não
acontece. Stan Lee diz depois a um amigo de Brodie: “acho que ele precisa de
ajuda. Ele parece ser bastante obcecado com os órgãos sexuais dos super-heróis.
Mas ele vai superar isso”.
A ironia é que, se há
uma coisa em tudo isso pela qual a indústria pode ser condenada, é por não
retratar a diversidade do mundo real. Por exemplo, o Lanterna Verde já abordou
questões homossexuais antes. Em 2000, a série introduziu Terry Berg, um
assistente de 17 anos abertamente gay de uma outra vesão do Lanterna Verde,
Kyle Rayner.
Quando Berg foi
espancado por uma gangue de ódio, até Lex Luthor condenou o ataque e sua
motivação, sugerindo que é muito pior ser um agressor de gays no universo DC do
que um supervilão que frequentemente planeja a morte de milhões (dentre os
quais, sem dúvida, também estão alguns gays). A Marvel, enquanto isso, tem seus
próprios exemplos. Entre os convidados do casamento gay na capa da revista
Astonishing X-Men número 52, o super-herói Wolverine está em destaque.
Vindo do
norte do Canadá, e em quase todos os aspectos um estereótipo do homem de fala
grossa, peito cabeludo, camisa regata, bebedor de cerveja, ele, no entanto,
aceita tudo isso perfeitamente bem. De alguma forma, suas garras de adamantium
parecem mais razoáveis. Mostrar perspectivas divergentes em heróis e vilãos,
mesmo em nome da diversidade e da credibilidade, é simplesmente fora de moda.
Para os que estão no ramo do super-heroismo, parece tudo uma covardice.
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