A ESCRAVIDÃO DE ISRAEL NO EGITO

Possível itinerário do Êxodo.
A arqueologia esclarece vários aspectos culturais da vida do povo de Israel no Egipto (trataremos num outro tema a chegada do povo de Israel ao Egito). Os israelitas foram obrigados a fabricar tijolos de argila.
 
No entanto, a maior parte dos monumentos do antigo Egito eram construídos em pedra natural. Muitos turistas que visitam o Egito perguntam como é que se pode conciliar isso com a Bíblia, que afirma que os israelitas foram obrigados a fabricar tijolos. 
 
O cinema e os livros de divulgação contribuíram para enraizar a ideia segundo a qual os escravos israelitas trabalhavam e transportavam os grandes blocos utilizados para a construção dos templos e de outros monumentos. 
 
 Na verdade, mais de 95% dos edifícios egípcios foram construídos com tijolos, e isso ainda acontece actualmente.Os edifícios construídos com esses tijolos resistiam mal ao tempo. A argila desfazia-se relativamente depressa, sobretudo se a cozedura não tivesse sido feita nas melhores condições. Muitas vezes, os tijolos não eram cozidos num forno, mas simplesmente expostos ao calor do sol.
 
Fabricantes de tijolos no Egito.
Um único edifício podia necessitar de várias restaurações ou até de reconstrução no decurso de uma mesma geração. Hoje ainda, o turista pode ver, um pouco por toda a parte no Egito, paredes e muros que se desagregam. Tudo o que resta da grande cidade de Mênfis, por exemplo, são algumas estátuas e montinhos de tijolos reduzidos a pó. Só os monumentos funerários, como as pirâmides, e os templos foram construídos em pedra natural.
 
 

Os israelitas deviam, portanto, participar na construção dos edifícios vulgares do antigo Egito. Grandes quantidades de terra eram misturadas com palha e água. Esta mistura era deitada em moldes, e seca ao sol. É uma técnica que ainda hoje se pode ver. Cada recanto um pouco protegido tem palha. Imaginamos facilmente os israelitas a recolherem palha suficiente para realizarem o pesado trabalho imposto pelos egípcios (Êxodo 5:10,11).
 
As pirâmides foram construídas
com blocos enormes de pedra
natural.
Segundo Êxodo 1:11, os israelitas contribuíram para a construção das cidades-armazém Pitom e Ramsés, situadas na parte oriental do delta do Nilo. É também aí que devemos situar o país de Gosen onde viviam, sempre segundo a Bíblia, os israelitas.
 
As duas cidades foram construídas perto de uma estrada importante que ligava o Nilo ao golfo de Suez, atravessando o Wadi Tumeilat. Esta estrada era a artéria mais importante depois do Nilo. Todas as mercadorias que transitavam do Mar Vermelho para o Egito passavam por ali. A localização destas cidades-armazém era, portanto, bem escolhida.
 
 
Molde de tijolos. Alguns
tijolos levam um selo,

este tem o selo de Ramsés II
Embora seja difícil definir com exatidão quais as cidades antigas que correspondem a Pitom e a Ramsés, as escavações feitas no Wadi Tumeilat permitiram trazer à luz os restos de grandes armazéns que datam aproximadamente desta época. 
 
Um grande espaço protegido, destinado à armazenagem temporária das mercadorias, estava rodeado de armazéns cobertos reservados à conservação a longo prazo. 
 
 
 
 
 
 Entrava-se neles pelo telhado, para proteger o trigo dos predadores. É muito provável que os israelitas tenham construído esses silos. O que José tinha inventado, com tanto engenho, alguns séculos antes, tornou-se, algumas décadas mais tarde, um elemento importante na escravidão dos seus descendentes. Que ironia! 
 

AS DEZ PRAGAS DO EGITO

Extrato do livro dos mortos. Este livro continha
fórmulas e encantamentos que permitiam
aceder ao além.
Muitas vezes se tem dito que as dez pragas do Egito eram dirigidas aos deuses egípcios. É verdade que a maior parte das pragas atingia elementos considerados sagrados. No entanto, é difícil encontrar um elemento natural que não fosse venerado num lugar qualquer por alguém. Se as pragas se tivessem destinado a contrariar as crenças dos egípcios, deveriam ser mais numerosas!
 
As pragas desencadearam-se numa ordem que parecia ter como objectivo perturbar os egípcios tanto física com espiritualmente. A Bíblia indica claramente que os magos egípcios conseguiram imitar as primeiras pragas (ver Êxodo 7:11, por exemplo). Muitos dos textos hieroglíficos têm uma conotação mágica. Isso permite-nos deduzir que a prática da magia era muito vulgar, o que confirma as informações fornecidas pela Bíblia. Um desses textos usados em magia faz lembrar os sonhos que José explicou ao faraó. Nele se lê, por exemplo: “Se, no nosso sonho vemos um grande gato, é um sinal favorável: a colheita será boa.” O faraó viu vacas e não gatos, mas o significado era o mesmo.
 
O gato era um animal sagrado
no Egipto. A deusa Bastet
era representada sob a essa forma.
Eram frequentemente utilizadas fórmulas de encantamento e de feitiços. Os textos imprecatórios revestiam uma grande importância neste contexto. Escrevia-se o nome de um inimigo num vaso de barro. Depois, esta era quebrada, enquanto se pronunciavam maldições e imprecações. 
 
A mensagem era clara: “Que o meu inimigo seja quebrado como este vaso.” O profeta Jeremias executou um ritual semelhante junto às muralhas de Jerusalém (Jeremias 19), mas sem que houvesse um nome escrito na vasilha.
 
O deus Amon, sob a forma de um carneiro,
à entrada do templo de Carnac.
 
 
Em Êxodo 8:16-23, Moisés insiste na necessidade que os israelitas tinham de deixar o Egito a fim de poderem apresentar sacrifícios ao seu Deus. O faraó sugeriu que oferecessem esses sacrifícios no Egito. A resposta de Moisés é particularmente interessante: “Se sacrificássemos a abominação dos egípcios perante os seus olhos, não nos apedrejariam eles?” 
 
Esta resposta parece estranha, a não ser que compreendamos que, nesta época, a divindade mais importante era Amon, deus de Tebas. 
 
Esta divindade era geralmente representada como um borrego ou um carneiro, os animais de predileção utilizados nos sacrifícios. Sacrificar um animal que representava Amon teria sido uma provocação aberta. Era impensável que escravos ousassem cometer um tal ato blasfematório. Como dizia Moisés, teriam sido imediatamente mortos.

A ALIANÇA NO SINAI

Monte do Sinai, lugar onde
Deus se encontrou com
Moisés.
O Êxodo menciona muitas alianças, mas refere-se geralmente, de modo direto ou indireto, àquela que foi concluída no Sinai. Ela encontra-se no centro de numerosas passagens proféticas. 
 
Durante muito tempo, soubemos muito pouco sobre a natureza das alianças de Israel. Graças às escavações realizadas em território hitita, estamos agora em condições de situar a aliança do Sinai no seu contexto histórico. A fiabilidade da Bíblia é reforçada desse modo. 
 
A forma da aliança do Sinai corresponde perfeitamente às alianças que eram feitas na época de Moisés, mas difere radicalmente das alianças mais tardias.
 
Em todas as alianças feitas no Médio Oriente, em meados do segundo milénio, encontramos seis particularidades que se encontram igualmente na aliança bíblica do Sinai.
Existe, primeiramente, um preâmbulo que menciona os nomes das partes implicadas. Em cada caso, os nomes do monarca ou do regente são indicados. Por vezes, o nome do vassalo é omitido. 
 
O preâmbulo bíblico encontra-se em Êxodo 20:2: “Eu sou o Senhor teu Deus.” O nome de Israel, o vassalo, não é mencionado.
Depois do preâmbulo, segue-se o prólogo histórico, citando as razões que motivam a aliança. Nas alianças seculares, encontramos, muitas vezes, longas enumerações. Na aliança do Sinai, o prólogo é bastante conciso: “que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão” (Êxodo 20:2). 
 
O poder que Deus tinha manifestado no momento do Êxodo servia de base à Sua relação com Israel, como soberano.
Vêm em seguida os preconceitos que o soberano preserve ao seu vassalo a fim de se assegurar da sua fidelidade. Nas alianças não bíblicas, trata-se de precauções que devem impedir o vassalo de fazer outras alianças, que poderiam ser prejudiciais para o soberano. 
 
Os Dez Mandamentos de Êxodo 20:3-17 são, visivelmente, as cláusulas da aliança do Sinai. É de salientar que o primeiro mandamento aborda o mesmo problema que as alianças não bíblicas, a saber, a fidelidade ao Senhor: “Não terás outros deuses diante de Mim.”
 
Vesão egícia duma alinça entre Ramsés II
e um rei hitita (fim do século 13 a.C.).
O quarto aspecto relaciona-se com o lugar onde a aliança deve ser conservada, assim como as orientações para uma leitura pública regular. O soberano quer ter a certeza de que o vassalo não esquece o conteúdo da aliança. Segundo Êxodo 25:16, os Dez Mandamentos, o coração da aliança, deviam ser conservados na arca da aliança. 
 
 O livro do Êxodo não fala de um preceito regulando a leitura pública; mas Deuteronómio 31:9-13 menciona essa diretiva. Sabemos, além disso, que as leituras públicas tiveram lugar em várias ocasiões.
 
O papiro Nash, que contém
fragmentos importantes
dos Dez Mandamentos.
Uma aliança era acompanhada por uma lista de testemunhas. Nos exemplos não bíblicos, as testemunhas eram sempre divindades, as do soberano e as do vassalo. Os deuses deviam punir o vassalo se este não respeitasse as cláusulas da aliança. 
 
Êxodo 20 não faz qualquer referência a testemunhas. Neste caso, Deus é o soberano; isso não deveria, portanto, espantar-nos. Profundamente monoteístas, os israelitas não desejavam apelar para uma lista de deuses, como faziam as nações vizinhas. Por vezes, os profetas mencionavam testemunhas cósmicas, como “o céu e a terra”, ou “as nações e as regiões litorais”. 
 
No entanto, as verdadeiras testemunhas era o próprio Deus (que, mais tarde, testemunhariam muitas vezes contra as más ações de Israel) e o povo que, em Êxodo 24:3, tinha prometido “fazer tudo que o Senhor tinha dito”. Testemunhavam contra si próprios de que tinham recebido os preceitos destinados a conduzi-los no caminho do bem-estar segundo o projeto de Deus. Podiam testemunhar de que tinham ouvido e compreendido os Dez Mandamentos, a essência da aliança.
 
O último elemento presente nas alianças da Antiguidade é uma série de bênçãos e de maldições. Geralmente, a lista de maldições era mais longa do que a das bênçãos. Em Êxodo 20 não encontramos nem bênçãos nem maldições; só o segundo mandamento parece ir neste sentido. Deus é aí apresentado como sendo um Deus exclusivo, que recompensa a obediência e pede contas em caso de desobediência. 
 
 Mas, noutros lugares da Bíblia, como em Levíticos
A Lei/Aliança e a Arca.

26 e Deuteronómio 28, encontramos essas listas de bênçãos e de maldições. No centro do discurso encontra-se sempre o Decálogo (os Dez Mandamentos). A obediência a essas leis determina os resultados.
Comparando a aliança do Sinai com as alianças não bíblicas dos povos que viviam no tempo de Moisés, surgem semelhanças evidentes. É perfeitamente claro que estamos em presença de um documento histórico. A estrutura da aliança do Sinai salienta a importância do Decálogo, já que este é o seu centro. Poucos arqueólogos contemporâneos põem isso em dúvida.
 

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